In nomine patris et filii spiritus sancti - Vinicius Varela
In nomine patris et filii spiritus sancti
Eu
já tive uma vida. Nem sempre as coisas foram assim. Tive marido e filha. Fui
dona de casa e frequentadora de igreja. Tinha fé inabalável e o meu olhar se
voltava para o celestial. Nem tudo, porém, é perene no paraíso terrestre, muito
diferente daquele que chamam de Éden. Minha filha foi estuprada e morta. Tempo
depois, meu marido que sempre foi homem de fé se indignou. Queimou a sua bíblia
e estourou de um tiro a cabeça que julgava razão de seu despropósito na vida e
engano. Nada de predestinação. A própria vida não passa de acaso e hoje sei que
não posso julgar ninguém culpado daquela infelicidade. Na terra dos homens há
céus, na terra dos homens: infernos. Se pudesse, no entanto, como não pensar no
nome Dele como culpado. Aquele que “escreve certo por linhas tortas”. Onde
estava Deus quando violentaram minha pequena de apenas sete anos? Onde está
Deus para alimentar os famintos? Se existe mesmo um Deus, numa hora dessas o
que estaria ele fazendo? Por certo se divertindo. Idiota aquele que insiste ter
algum propósito a morte. Que alguns nascem para morrer jovens por destino e que
cada acontecimento absurdo da vida é planejado. Não. Não. Quando caminho pelas
ruas, não vejo interferência divina. Nas cabeças dos homens há deuses.
Aqui
se pode tudo. Sábio o Guimarães “Deus mesmo, quando vier, que venha armado”. Na
terra dos homens não há Deus. Aqui se paga caro cada dia da existência.
Fui
criada em família religiosa. Temia o prazer. Hoje sou puta e não quero ser
perdoada como Maria Madalena. Não creio mais em Deus e que ninguém me tire o
meu prazer mundano. Se vivesse na idade média já teria sido queimada como
bruxa. Diriam que bebi sangue do bode e me deitei com o Diabo. Me torturariam
até eu confessar. Se o diabo quiser me comer, ele que pague. Cem reais a hora e
se quiser cu é mais caro. Quem manda no mundo é a buceta. Aqui quem quer buceta
tem que pagar, mas se me fizer gozar pode ser que eu não cobre. Só o prazer me
interessa. Depois que me libertei da vigília daquele cabeludo na cruz minha
vida passou a ser pautada no Hedonismo. Hedonismo sim. Não se estranhem da
palavra que sou puta, mas tenho estudo. Se engana aquele que pensa que o que me
guia é a necessidade. Gosto de abrir as pernas. Pensar que cheguei aos trinta
acreditando em um livro escrito há mais de mil anos. Medo de ir pro inferno?
Hahaha. Pecadora que sou conheço as regras do jogo. O diabo deve ter inveja do
inferno que criamos sem a sua ajuda. Na terra dos homens não há Deus, não há
pecado.
Ninguém
virá nos salvar.
Curioso
é pensar nas motivações desse ilusionista que caminha sobre as águas. Faz
alguns truques, é morto, ressuscita, vai embora e não volta nunca mais. Conto
da carochinha que veio junto com minha primeira Barbie e o livrinho da branca
de neves. Me contaram a história de um homem chamado Jesus, filho do grandioso,
que fazia milagres e nasceu em Belém. Era branco e de olhos verdes, mas nasceu
na África( e esse talvez tenha sido o seu primeiro milagre, o da transformação
da própria cor). Se retornar Deus, que não se revele por questão de segurança.
Ontem
me arrebentaram. Comeram meu cu a força e levaram meu dinheiro. O rapaz parecia
tão simpático. Para que fui leva-lo à minha casa... Levou todas minhas
economias. Sai de casa transtornada. Fui beber. No caminho, um pastor
distribuindo panfletos de salvação. Peguei um e rasguei na frente dele. Hahaha.
Ninguém contou para ele que aqui não tem Deus. Se existir, está muito longe
daqui e se existiu o mataram. Se vier Deus, que alguém o mate, mas antes lhe tire
a virgindade que aqui é a terra do profano. Homens assumiram céu e inferno,
fazendo da terra sua imagem e semelhança. Tomei uns drinques. Na volta, ouvindo
o badalar dos sinos na igreja me enfureci. Entrei na missa e cuspi na cara
Dele. Foi pouco. Se existir mesmo um Deus, faz anos que caga na minha cabeça.
Me expulsaram. Na rua levanto o copo e faço um brinde em homenagem a ele. Viva
Deus. Hahaha.
Conto
escrito para o encontro de 27/05/2014
Vinicius Varela é sobretudo um admirador da arte. Gosta de dialogar com os diversos movimentos artísticos e com as formas de criação. Criar para ele é fundamental e se utiliza da arte para tentar explorar tudo aquilo de que a realidade apenas não dá conta. É poeta, ator, músico e contista até agora. Pois encontra-se em constante processo de antropofagia.
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