Trecho do livro “Estranhas criaturas noturnas", de Jozias Benedicto
O autor Jozias
Benedicto esteve no Clube da Leitura de 10/06/14. Ele leu um texto de seu
livro, “Estranhas criaturas noturnas", e cedeu dois exemplares para o
sorteio ao fim da rodada. Abaixo, o conto “Um divórcio, uma história
verdadeira ou quase”.
Um divórcio, uma história verdadeira ou quase
Eles
casaram muito jovens, ela fez questão de deixar registrado nos autos. Ela casou
virgem, e quando falou sobre isso enrubesceu. Ele quis deixar claro, bem claro,
de que se dependesse dele, não se separariam, nunca. Nunca.
Meu pai
era muito rico e ele era apenas um engenheirinho, ela disse, e ele foi o meu primeiro
e único homem e conquistou a confiança do meu pai e por isso ficou com a
empresa e o dinheiro todo que era meu e de minha família, e por isso eu quero
acabar com a vida dele, quero deixar ele sem nada.
Nós
casamos muito jovens, ele contou, ela uma menina mimada, e o pai um louco,
gastava o que as empresas não rendiam, ia perder tudo com as amantes jovenzinhas
se eu não tivesse ajudado a controlar, a diminuir as despesas e a investir,
graças a meu trabalho é que os negócios foram pra frente, ela teve esta vida de
perua, dondoca, Daslu, eu pagava todas as contas, e queria continuar assim, um
divórcio é traumático, dividir os bens, fortuna nenhuma resiste.
Ela falou,
as mensagens no celular. Nunca tinha desconfiado até ler as mensagens, os
torpedos, os e-mails, os WhatsApp, os Viber, sem contar outros aplicativos piores. Piores. Se fossem
mulheres. O senhor sabe que existe um tal de Grindr, que mostra homens a fim de sacanagem, sacanagem entre
homens, uma coisa nojenta, o que querem fazer e a distância que estão e eles então
se trocam mensagens? mensagens sujas? fotos também, tudo isso no celular dele,
foi fácil, só entrar, a senha é fácil, ele é bobo, um engenheiro, um empresário,
mas é tão bobo, a senha do celular é o numero do telefone fixo de nossa casa,
de minha casa, eu entrei no celular dele e vi as mensagens todas.
Ele retrucou,
ela está fazendo uma tempestade com as mensagens arquivadas no meu celular.
Algumas poucas podem até ser de verdade, outras são brincadeiras. Brincadeiras,
um celular hoje em dia é como um joguinho, relaxa a tensão e se diverte
trocando. Mensagens. Eu digo que um homem precisa se divertir. Ela é fria. Ela
só goza com uma bolsa Louis Vuitton entre as pernas. Casamos muito jovens. Um
homem como eu precisa expandir as empresas, expandir os interesses, até os
sexuais. Depois de uma certa idade. Não vou negar. Que tenho. Interesses. Por
alguns. Rapazes. Mas isso nunca perturbou meu relacionamento com ela, minha
mulher, esposa, mãe dos meus filhos, continuo o provedor de sempre. Tudo o mais
é uma brincadeira, uma diversão, mas o casamento é sagrado.
Ela diz,
eu quero acabar com a vida dele.
Ele diz,
o casamento é sagrado.
(do
livro "Estranhas criaturas noturnas", Editora Apicuri, 2013)
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