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Mostrando postagens de agosto, 2014

Mote do encontro 02/09

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 texto lido por Marco Antônio Martire  O velho e o mar Quando o sol desapareceu no horizonte, o velho Santiago recordou, para tomar mais coragem, aquela vez em Casablanca, na taberna, quando disputara uma queda de braço com um negro enorme de Cienfuegos, que era o homem mais forte das docas. Haviam ficado um dia e uma noite com os cotovelos assentes sobre um traço de giz feito na mesa, os antebraços eretos e as mãos apertadas. Cada um deles tentava forçar a mão do outro a descer sobre a mesa. Na sala, alumiada por lampiões de querosene, havia muitas apostas entre os assistentes, que entravam e saíam, e durante todo aquele tempo ele estivera com o olhar fixo no braço e na mão do negro e também no seu rosto. Depois das primeiras oito horas tiveram de mudar de árbitros de quatro em quatro horas para que estes pudessem dormir. As unhas dos dedos dele, como também as do negro, tinham-se tornado roxas. Olhavam um para o outro, os olhos nos olhos, e para as mãos e anteb

Nicole e o autorretrato - Andréa Rodrigues

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Nicole e o autorretrato Nicole tinha nascido num subúrbio de Paris, há treze anos e alguns meses.   Tinha esse nome assim francês mas era filha de argelinos, imigrantes na França desde que eram adolescentes. Nicole estudava numa escola a duas quadras da sua casa. No caminho, passava por um prédio que tinha uma placa cheia de nomes. Desde que tinha uns 8 anos ela tinha resolvido parar para ler o que havia ali. Era uma lista com o nome de crianças que moravam naquele prédio na época da segunda guerra e que foram levadas dali para os campos de concentração, pelos alemães. Desde que tomou conhecimento disso, Nicole tinha pensado que, tivesse ela nascido muito antes, poderia ter sido vizinha de dezenas de crianças que desapareceriam para sempre um dia.   A distância que havia entre Nicole e as crianças que foram levadas de suas casas era apenas de tempo. Elas moraram na mesma rua que ela. Tinha um escorrega no prédio delas. Talvez Nicole brincasse ali com elas, no alto daquele es

A palestra - Guilherme Preger

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A palestra Como bem escreveu Karl Marx, a história só se repete como farsa, ou segundo Clausewitz, a guerra é a continuação da política por outros meios.   E o que fazer quando há, conforme Exodus 21,   a crença primitiva de que é olho por olho, dente por dente, ou outra ideia tão antiga de que, de acordo com Heráclito, a guerra é o pai e o rei de todos os homens?   Não é possível mais se esconder, pois, como escreveu Bertold Brecht, a guerra é como o amor e sempre encontra um caminho. Assim, Dante Aligheri dizia que os piores lugares da escuridão infernal estavam destinados aos que mantêm sua neutralidade em tempos de crise moral.   É imperativo tomar uma posição, pois como demonstrou Schopenhauer, toda guerra tem três fases:   primeiro começa como algo ridículo, depois é violentamente combatida; finalmente é encarada como auto-evidente. Ésquilo dizia que a verdade, na guerra, é a primeira a morrer.   E está escrito em João 8, que a verdade nos libertará.   É preciso, pois,

Fotogramas - Vinicius Varela

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Fotogramas Durante a segunda guerra, os soldados só tinham tempo de ler as cartas uma única vez antes que elas fossem metralhadas por balas ou gotas de chuva. A batalha cuidava de assassinar, borrar caligrafias. Não havia jeito de preservá-las. As fotos também. Pouco a pouco a pessoa no retrato ia desaparecendo até que só restasse um papel em branco. Foi assim durante a primeira guerra, nas guerras antes dela, na segunda guerra e suponho que será assim nas próximas. O momento em que um soldado ia ler uma carta era semelhante ao da última refeição do preso no corredor da morte. Era um momento solene. Era comum, no meio do caos e destruição provocada pela guerra, ver um soldado lendo uma carta ou escrevendo da maneira que podia. A leitura era o pouco que restava de humano ou aquilo que mantinha uma lembrança de humanidade nas tropas. Essas epístolas eram mal escritas em papéis amassados e velhos, guardados nos bolsos de suas calças, dentro dos coturnos ou no fundo de seus ca