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Mostrando postagens de agosto, 2015

eutanásia - André Salviano

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eutanásia estava triste. ensimesmada. lembrou de quando ia na casa da vó ceiça e era recebida com aquele delicioso feijão caudaloso, ovo frito na banha e arroz. ou da mãe ligando pra saber se estava tudo bem, e de como estava a terapia. sentia-se fraca. pensou tanto sobre qual seria a melhor opção e só uma se mostrava eficaz. o que os amigos iam pensar, e a família, vó ceiça não passaria por isso, não está mais entre nós, mas e o tio augusto. meses se passaram desde que começou a ler artigos sobre o assunto. cada vez mais abatida. seu pai talvez sequer ligasse quando recebesse a notícia, os primos iam tentar convencê-la do contrário. o prazo. decidiu que trabalharia em cima de um, e de que não arredaria o pé, era a vida dela, porra. aliás, quantas vidas né. essa era uma das angústias, a falta de unidade, ser tão fractal, identidade se perdendo. não tinha mais como viver assim. por isso foi preparando o terreno gradativamente, desde que leu o artigo que sanou todas as suas dúvi

Trânsito - Daniel Russell Ribas

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Trânsito O relógio grita. Falta pouco. Precisaria de, pelo menos, meia hora. Não almocei. Puta merda, já tá na metade da tarde. Ainda não escrevi o texto pra noite. Não consigo pensar em algo digno de nota. O porteiro insiste em correr como um cracudo em abstinência. Vou no fast-food. Há quantos anos que não vou num desses troços mesmo? O que vai querer, senhor? Juventude e sabedoria eterna. Vai querer fritas por mais 30 centavos? Se me der mais 30 minutos aceito. Ai, meu estomago, tou passando mal. Agora me lembrei porque não costumo comer essas coisas. Tenho que ir ao banco. Quase no limite pra fechar. Que tipo de lugar esquecido pelo cosmos não tem uma agência por quarteirão? Continuar é necessário, pagar a conta mais ainda. Escrevo sobre um cara que precisa pagar uma conta? Sinto muito, senhor, deu o expediente. Como assim, eu tenho ainda 30 segundos! Só amanhã, senhor. 25 agora! Daqui a pouco, tenho curso. Mas antes preciso passar na casa de um amigo e pegar o livro que e

Metaconto da realidade clubeana - Glória Celeste de Brito

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Metaconto da realidade clubeana Chegara ali pensando que era para aposentadoria. Até que a chefe (soubera que era assim pq fora amante de vários colegas de trabalho) durante este seu primeiro ano por alguns problemas gritara histericamente com a equipe inteira, depois com os outros que trabalhavam e tinham falhas bobas. E ainda com o diretor da instituição (seu atual amante, e casado!) Era época de eleição e o clima estava tenso, as armações e maracutaias de desvio de verbas poderiam ser expostos. Já começara a enviar currículos e esperava alguns retornos. O problema de trabalhar ali é que não havia sinal de celular decente. Precisava espairar. A empresa é uma grande máfia onde todas as pessoas são filhos, netos ou primos, sobrinhos, cunhados das pessoas que não saíram de lá no início de tudo e, por conta de todas aquelas baboseiras sobre seleção natural e genes recessivos, isso significa que todas as pessoas que estão agora ou são fanáticos ou completos imbecis ou ― o que

O inusitado encontro de Maria e João - Morena Madureira

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O inusitado encontro de Maria e João Maria era uma mulher problemática. Nasceu com uma disfunção genética que a fazia sentir todas as dores doídas nas pessoas à sua volta, em um raio de 100 metros. Não só dores do corpo, como torcicolo, cefaleia, cãimbra, dor de dente, de barriga, de garganta, de cabeça, de coluna, de ouvido, mas também as dores da alma, como luto, medo, arrependimento, melancolia, desespero, saudade aguda, dor de cotovelo e todas as outras. Por saber de sua condição, Maria evitava passar perto de locais notadamente repletos de pessoas doloridas, como hospitais, farmácias, casas de repouso e cemitérios, e buscava ficar sempre por perto de crianças e suas dores primárias e passageiras. Por isso escolheu ser monitora em uma creche. Mesmo convivendo durante o dia com os pequenos e suas dores toleráveis, como dor de estômago, gripe e joelho ralado, a escolha não a impedia de vir a sentir dores mais complexas no cair da tarde, quando pegava o ônibus lota