Mote do encontro (13/ 10/ 15)
Mote lido por Poliana Paiva
Animal de estimação
Nunca soube se é gato ou cachorro. Tem sempre muito dos dois.
Esfrega-se às vezes em paredes – coçando um ponto inalcançável das costas,
comprimindo um intercostal hipertensionado ou simplesmente recostando-se -, ora
como um felino, ora como um cão. Em manhãs nubladas como aquela sente-se muito
mais gato, não tem dúvidas. Mas quando está com gente, principalmente com ela,
não consegue fugir aos instintos caninos de subordinação. Enquanto cachorro,
nunca seria um líder da matilha, será sempre um seguidor. Um entre outros.
Submisso. Enquanto gato, como todo gato, é naturalmente livre e propenso a um
individualismo monstruoso. Como não dorme muito, acorda cedo, às vezes para ver
o sol nascer, e já de um pulo. Pouco gato no quesito preguiça. É como ter uma
propulsão canina instintivamente ativada pelo simples fato de estar acordado.
Não é que não tenha preguiça; tem, mas esta é rarefeita. Quer farejar o que há
pra fazer no ar. Sentir o contorno do dia que se anuncia. Estar pronto,
preparado, antes. Alerta. Em eterna vigília, como um cão. Mesmo estando
sozinho, longe de toda gente que o faz sentir-se canino. Mesmo podendo ser
gato. Por isso, seu felino interior é tão especial. Esconde-se. É bissexto.
Quase nunca o vê, e aparece sempre sem aviso. Daí pode ficar semanas a fio
acordando tarde, sem pressa, com uma preguiça descomunal, e se sentir como o
dono do mundo, indiferente a ele, cheio de si, vazio e feliz. Sem necessidade
de preencher nada. Elástico. Faz tempos que isso não acontece. Anda tão
cachorro que chega a sentir seu próprio cheiro com algum horror. Se pudesse,
cheiraria e lamberia o próprio cu, e de quem mais interagisse com ele. Vive
essa dicotomia com alguma consciência, mas procura não dar mais atenção a ela
do que o necessário.
PORTO, Terêncio. Animal de Estimação. 1ª edição. Rio de Janeiro:
Grupo 5W, 2015.
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