Mote do encontro (27/ 10/ 15)
Mote lido por Walter Macedo Filho
A casa dos budas ditosos
Atrás, bem que eu tentei, a primeira vez em pé,
encostada no muro do farol da Barra, que, aliás, é meio inclinadinho, e a gente
fica mais ou menos reclinada de bruços, grande farol da Barra. Ele passou
cuspe, eu me preparei toda ansiosa e, quando ele enfiou, não consigo imaginar
dor pior do que aquela, uma dor como se tivessem me dado dezenas de punhaladas,
uma dor funda e lacerante, que não passava nunca, me arrepio até hoje. E as
tentativas posteriors foram todas desastrosíssimas, experiências humilhantes e
acabrunhantes, passei anos traumatizada e decidida a tornar aquilo território
perpetuamente proibido e mesmo execrado. Até que Norma Lúcia me ensinou uma
coisa. Não. Duas coisas. Não. Três coisas. Primeira coisa: no começo, na
iniciação, por assim dizer, tem que ser de quatro, requisito absoluto para a
grande maioria. Segunda coisa: tem que dizer a ele que venha devagar. Ou,
melhor ainda, dizer a ele que espere a gente ir chegando de ré devagar, sempre
devagar. Terceira e mais importante de todas: relaxar, relaxar, mas relaxar de
verdade, soltar os músculos, esperar de braços abertos, digamos. É um milagre.
Foi um milagre, na primeira vez em que eu segui essa orientação simples. Daí
para gozar analmente -- não sei nem se é gozo propriamente anal, só sei que é
um gozo intensíssimo -- foi só mais um pouco de vivência, with a little help
from my friends, ha-ha. Quem não sabe fazer isso nunca fez uma verdadeira
suruba, nem pode fazer, nunca vai poder comer direito um casal, enfim, vai ser
uma mulher incompleta, acho que qualquer um concorda com isso. Não sei se você
sabe, mas as hetairas, as cortesãs da Grécia antiga, davam a bunda,
preferencialmente. Apesar de já haver métodos anticoncepcionais, o mais seguro
era mesmo uma enrabação, é uma arte milenar que não pode ser perdida, e toda
mulher que, sob desculpas inaceitáveis e ditadas pela ignorância, preconceito
ou incapacidade, não conta com isso em seu repertório permanente é uma
limitada, não importa o que ela argumente. Acho até que todas as refratárias na
verdade sabem que são limitadas e procuram negar essa condição através de
mecanismos para mim pouco convincentes. Depois que aprendi, naturalmente que
tive de procurar esse namorado meu -- esqueci o nome dele agora, Eusébio,
qualquer coisa por aí -- e dar a bunda a ele, não podia morrer sem fazer isso.
Dei numa festa de aniversário da então namorada dele, num sítio onde é hoje
Lauro de Freitas, eu também era levadinha.
RIBEIRO, João Ubaldo. A casa dos budas ditosos. Rio
de Janeiro: Editora Objetiva, 1999.
João Ubaldo Ribeiro foi um escritor, jornalista,
roteirista e professor brasileiro, formado em direito e membro da Academia
Brasileira de Letras. Sua obra é considerada uma das mais importantes na
literatura brasileira, sendo autor de "Viva o povo brasileiro",
"Sargento Getúlio", "A casa dos budas ditosos", entre
muitos outros. Faleceu em 18 de julho de 2014, no Rio de Janeiro.
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