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Mostrando postagens de março, 2017

Sapiens, deYuval Noah Harari

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Lendas, mitos, deuses e religiões apareceram pela primeira vez com a Revolução Cognitiva. Antes disso, muitas espécies animais e humanas foram capazes de dizer: “Cuidado! Um leão!”. Graças à Revolução Cognitiva, o Homo Sapiens adquiriu a capacidade de dizer: “O leão é o espírito guardião da nossa tribo”. Essa capacidade de falar sobre ficções é a característica mais singular da linguagem dos sapiens. É relativamente fácil concordar que só o Homo Sapiens pode falar sobre coisas que não existem de fato e acreditar em meia dúzia de coisas impossíveis antes do café da manhã. Você nunca convencerá um macaco a lhe dar uma banana prometendo a ele bananas ilimitadas após a morte no céu dos macacos. Mas isso é tão importante? Afinal, a ficção pode ser perigosamente enganosa ou confusa. As pessoas que vão à floresta à procura de fadas e unicórnios parecem ter uma chance menor de sobrevivência do que as que vão à procura de cogumelos e cervos. E, se você passa horas rezando para espíritos

Claus, por Gabriel Cerqueira

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– Viajo a outro planeta quando me sinto enclausurado – disse João, um cara de 21 anos, a Paulo, seu psicólogo. – Interessante. E ele se parece com a Terra? – Em algumas coisas, sim. Outras, não. Vou te contar como é - João se ajeitou na poltrona e continuou: – Os habitantes são parecidos conosco, talvez até sejam humanos, e há cidades, áreas rurais... Numa das cidades há uma calçada da fama parecida com a de Hollywood , só que lá as estrelas são de verdade. Da última vez em que a visitei ela estava interditada porque duas estrelas se tornaram supernovas e a mais antiga virou um buraco negro. Tinha gente que tirava fotos de longe, mesmo correndo o risco de se queimarem ou serem sugadas. Mas valia a pena, era bonito. – O que mais há lá? – perguntou Paulo enquanto fazia suas anotações. – Há um reality show em que os participantes precisam levar um anel até um vulcão e jogá-lo na lava enquanto outro time precisa impedi-los. Não parece ser uma produção original. – Não mesmo

O Pucaro Búlgaro, de Campos de Carvalhos

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Mote: Trecho de “O púlcaro búlgaro” de Campos de Carvalho 13 de novembro Fui ao psicanalista e ele me fez deitar num divã, sem o paletó, a gravata e os sapatos. - Está se sentindo confortável? - Muito. E o senhor? - Desaperte o cinto. - Quer dizer que já subimos? - Limite-se a responder. Feche os olhos, procure concentrar-se. Fazia um calor dos diabos, e de repente me veio uma vontade louca de urinar. - Já pensou alguma vez em matar seu pai? - Muitas. Mas, se o sr. me permite, eu gostaria de urinar. - Tem irmãos ou irmãs? - Que eu saiba, não. Assim de momento é meio difícil... - Gatos? Cachorros? - Se o sr. não me deixar ir urinar, não respondo, nem respondo pelas consequências. E depois que eu voltei do banheiro: - Quantos dedos o sr. tem nas mãos? Não, não pode abrir os olhos. - Dez, até chegar aqui pelo menos. - Responda depressa: se ponho vinte e duas melancias nas suas mãos e depois tiro cinco e acrescento três, com quantos dedos o senhor fic

Pai, de Renato Dias

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Pai Todo mundo tem pai. Ninguém escolhe o pai que tem, mas todo mundo que nasce ganha um pai. Até aqueles que não vieram devido à gestação interrompida, até mesmo aqueles que morreram pouco após o parto, todos eles também têm um pai. Os pais, de maneira demelhante, não escolhem os filhos que têm. Por outro lado, cada pai tem a vantagem considerável de poder escolher tê-los ou não tê-los, quando quiser, se é que quererá. “Filhos... filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos, como sabê-lo?” Sim, de fato há pais que se tornam pais por acidente, o que torna relativa essa dita escolha de ser pai. É verdade. Mas vamos pôr de lado essas complicações, o importante a ser dito é que no fim das contas ninguém escolhe muita coisa. Todos sabemos disso. E os filhos, em particular, não escolhem os pais que têm. Especialmente os filhos, principalmente quando crianças, esses sim, não escolhem nada mesmo. Alguns dizem que as escolhas são feitas por Deus mas, como bem observa Saramago, isso não di

A Velha, por Claudio PS

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A Velha Na mesa respingada de vinho barato ela escrevia suas memórias antes de morrer. Por que todo mundo vai morrer um dia, ela dizia. Quem sabe assim ela exorcizava seus demônios? Ela se casou uma vez, o marido não era mau ou ausente, mas no sentido “bíblico” pouco presente. Dizia ter necessidade. Mais do que simplesmente vontade. Transar, trepar, foder, fazer sexo. Escolha o termo que lhe seja mais agradável. Dizia que quando lhe doíam as pontas dos dedos sabia estar grávida. E abortava. E abortou dezenas de vezes. Não havia anticoncepcional. Ele surgiu nos anos sessenta. As clínicas tratavam muito bem. Eu suponho. E a necessidade fez com que trepasse mais de quinhentas vezes, e abortasse umas dez. Condenem-me, ela dizia, se puderem largar as pedras de suas mãos. Não sejam hipócritas. Reconheçam que foram iguais ou piores do que os adolescentes de American Pie. Ou gostariam de ter sido. Não, não exagere, você vai dizer. Aquilo é filme. Mas, bem, ninguém é santo. Volta